A Teoria da Imprevisão, como bem afirma José Roberto de Castro Neves, decorre de mera intuição, ensinando que: “Caso, depois do nascimento do negócio, sobrevenham fatos que tornem sumamente injustas as bases da relação, poderá a parte lesada reclamar uma revisão do acordo”.
Todavia, não basta a ocorrência de qualquer evento futuro à formalização do negócio jurídico que gere, por consequência, onerosidade excessiva a alguma das partes contratantes para que nasça o direito de pleitear a revisão contratual.
Isso porque, para a invocação da Teoria da Imprevisão, é imprescindível que o fato futuro que cause a disparidade das prestações deve ser inesperado, excepcional e inusitado. Ou seja, para que se aplique a fórmula de reajuste das prestações, o fato deve ser: (i) futuro à pactuação do negócio jurídico; e (ii) totalmente imprevisível, com o perdão da redundância, no momento da formalização do Contrato.
É exatamente este o entendimento extraído do Código Civil, em seus artigos 478 a 480 – os quais permitem a resolução ou, quando possível, revisão do Contrato ao constatar que “em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis” “a prestação de uma das partes se [torne] excessivamente onerosa” – tanto quanto outros dispersos no ordenamento jurídico que trazem, em seu bojo, disposição no mesmo sentido como, por exemplo, o artigo 6º, V, do Código de Defesa do Consumidor, que já autorizava o Magistrado a modificar cláusulas contratuais “em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Tal teoria, como decorre da própria intuição e bom senso do homem médio, é de simples entendimento. No entanto, sua aplicação prática pode trazer complicações ao mundo contemporâneo no momento em que, estando qualquer informação à distância de um único clique, o que seria imprevisível, inesperado, inusitado ou excepcional?
Tal questão torna-se ainda mais complexa no âmbito Empresarial, onde, pela necessidade de se destacar do Mercado, vencendo a concorrência, as empresas vêm buscando, a cada vez mais, profissionais qualificados, capacitados e, especialmente, com expertise específica.
Imaginemos a seguinte situação: uma empresa de cosméticos alemã “X”, ao ingressar no mercado brasileiro, contrata os serviços da empresa de empreitada “Y” – que, inclusive, diz ser a melhor do mundo em seu sítio eletrônico – para a construção de seu pátio industrial na zona franca de Manaus.
No curso dessa empreitada inúmeros fatores supervenientes podem vir a ocorrer, como: (i) intempéries climáticas; (ii) problemas geológicos que podem tomar mais tempo de escavação e preparação do solo, ou até mesmo um tipo de solo diverso, sendo necessária a troca de maquinário ou alteração do local da planta; (iii) greve de funcionários; (iv) entraves com legislação ambiental; (v) vacância ou embargo de entidades públicas; e mais uma infinidade de possibilidades que podem ser traçadas sobre uma obra desta magnitude.
Ora, todas estas possibilidades são capazes de gerar desequilíbrio contratual e onerosidade excessiva à alguma das partes, da mesma forma que são supervenientes à vontade destas e, de certa forma imprevisíveis, pois é impossível, no início do Contrato, saber, ao certo, quantos milímetros de chuva assolaram a região, ou qual o tipo de solo, ou se haverá mobilização dos funcionários, tanto quanto quais serão suas reivindicações e o período da mobilização, ou, até mesmo, se haverá embargo da obra por entidades ambientais.
Todavia, as mesmas encontram-se listadas acima, sendo, portanto, previsíveis. Ainda mais pela capacidade econômica e expertise que os Contratantes que, se não houverem especialistas em suas equipes qualificados calcular este risco, certamente possuem capacidade financeira para contratar quem o faça, tornando, ao final, todas as imprevisibilidades incidentes previsíveis, afastando, pela aplicação seca da norma, a possibilidade de se pleitear a resolução ou a revisão do Contrato com base na Teria da Imprevisibilidade.
Sendo esta a realidade de Contratos comutativos como o exemplificado acima (aqueles que se tem por certo, desde sua gênese, o que e quanto pode-se exigir em execução da outra parte), torna-se, ainda, mais profunda a problemática quando aplicada aos Contratos Aleatórios.
Pelos ensinamentos de Silvio Rodrigues, estes são aqueles “em que o montante da prestação de uma ou de ambas as partes não pode ser desde logo previsto, por depender de um risco futuro, capaz de provocar sua variação”.
Já nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho: “os contratos comutativos opõem-se aos aleatórios: Naqueles, os contratantes podem antecipar como será a execução do contrato, enquanto nestes, em razão da álea característica do objeto contratado, tal antecipação é impossível (jogo ou aposta)”.
Ou seja, temos que os Contratos Aleatórios são aqueles que, a depender da álea (sorte/destino), uma das partes poderá aferir maior do que outra.
Veja, se nos contratos comutativos (os quais a partir de sua gênese se sabe quais são os direitos, deveres, obrigações e, principalmente, quanto se poderá exigir da outra parte) a teoria da imprevisão já encontra aplicação problemática, o que dizer dos contratos aleatórios, os quais, por definição, dependem da sorte para aferição de lucro ou prejuízo na operação.
Apenas para espelhar a teoria em caso concreto, trabalhemos aqui como perfeito contrato aleatório as operações financeiras fixadas em variação cambial, como as operações de swap, hedge, ou, ainda, os contratos de leasing, que se encontram mais próximos da lembrança.
Seja um, ou outro, certo é que qualquer operação financeira fixada sobre moeda estrangeira fica sujeita a flutuação cambial daquela moeda. Desta forma, se a moeda valorizar 1% (um por cento), uma das partes deste contrato sinalagmático obterá vantagem, enquanto, a outra, amargará prejuízos e, sendo esta a essência dos contratos aleatórios, evidente que a Teoria da Imprevisibilidade não se aplicaria a eles.
Possível a conclusão, assim, que, tanto pelo acesso à informação, quanto pela previsibilidade dos fatores “imprevisíveis”, ou ainda pela própria essência do Contrato, que o instituto da imprevisão perdeu seu sentido de ser, devendo vigorar o pacta sunt servanda entre as partes, para a preservação do contrato.
Todavia, em que pese ser este o entendimento exarado por algumas cortes brasileiras, o mesmo se mostra arcaico, devendo ser atualizado à nova dinâmica do Direito Contemporâneo.
Olhando o passado e analisando a situação histórica e fática em que se verificou o surgimento da Teoria da Imprevisibilidade como no caso “Canal de Capronne” (séc. XIX em Arles), ou no caso conhecido como “Coronation Case”, tanto quanto nos Códigos de Napoleão no princípio de século XIX, ou o Código Civil da Saxônia promulgado em 1863, ou na Lei Failliot, editada na França em 1918, percebemos que tal instituto surgiu flexibilizando o pacta sunt servanda a fim de reequilibrar os Contratos havidos para mitigar os danos e preservar, assim, o Contrato, sendo, este, seu objetivo principal.
Assim sendo, incabível sustentar a manutenção das cláusulas contratuais, fundada na prerrogativa formal de que o Contrato faz Lei entre as partes – pacta sunt servanda –, quando verificado que, por ocorrência de fator futuro, as obrigações contratuais se encontrem desproporcionais, gerando onerosidade excessiva a alguma das partes, ainda que o fator futuro seja previsível.
Isso porque, a imprevisibilidade de que trata o instituto sob estudo não recai sobre fato em si, mas sim à extensão do dano aferido quando na ocorrência de tal fato.
Desta forma, se, da ocorrência de variação cambial, inerente aos contratos de swap (intrínsecos aos contratos aleatórios), decorrer prejuízo excessivo a alguma das partes, evidente que o negócio jurídico pode ser reequilibrado à luz da Teoria da Imprevisão, pois, muito embora seja esperada a flutuação da moeda estrangeira, os efeitos de uma elevação acentuada não o é.
Como exemplo derradeiro, imaginemos que um fazendeiro adquire uma máquina agrícola no valor de USD 1,000,000.00 (um milhão de dólares), em 100 (cem) prestações iguais e sucessivas quando o Dólar estava em R$ 2,00 (dois reais), gerando prestações mensais no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) cada. Dada a hipótese, imaginemos que após uma semana da compra o dólar dispare para a casa dos R$ 5,00 (cinco reais). Neste contexto, a máquina adquirida inicialmente por R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais) saltou, abruptamente, aos R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).
No caso em comento, ainda que a variação da moeda estrangeira seja previsível, os efeitos que a mesma tem no caso em epígrafe são imprevisíveis, tornando extremamente oneroso o negócio jurídico para o adquirente.
Conclui-se, portanto, que a aplicação da Teoria da Imprevisão para reequilibrar as prestações contratuais se dá não por ser o fato futuro imprevisível, mas sim por ser a extensão do dano verificada inesperada para quem quer que seja, sendo necessária sua readequação para preservar a continuidade do Contrato.