Doação em Usufruto é instrumento eficaz no planejamento sucessório?
A resposta a tal pergunta pode ser positiva e, de fato, bastante simples, mas só quanto aos bens imóveis que venham a compor o monte mor do de cujos e, claro, com o acompanhamento de um advogado especializado na área.
O grande problema do planejamento sucessório feito a revelia de advogado é a inobservância das normas relativas às cotas da legítima e da legatária que podem gerar a nulidade dos atos tomados em vida.
Significa dizer que, se as doações realizadas ofenderem a cota parte de algum herdeiro legítimo (como um filho, por exemplo), esta poderá ser anulada por aquele que teve a legítima ofendida.
Explicamos: ao planejar a sucessão de uma pessoa precisamos avaliar os valores dos bens a serem doados, bem como o patrimônio que o cliente ainda possui, inclusive no tocante às dívidas e a origem dessas (cédula de crédito bancário, dívidas fiscais de algum imóvel, financiamento de algum bem, etc) e a quantidade de herdeiros que este possui, tanto quanto se este fez algum testamento no curso de sua vida, tendo arquivado este em cartório, ou não.
Tudo isso para aferir o monte mor (todos os bens, debitado as dividas) e, assim chegarmos nos valores referentes a legítima (50% do patrimônio total do testador) e da legatária (50% disponíveis pelo testador).
A título exemplificativo, se a avaliação do patrimônio de uma pessoa que possua 4 (quatro) filhos, sem cônjuge sobrevivente, já debitada as dividas, totalizar o montante de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais) e o mesmo não ter deixado qualquer testamento, teremos que cada herdeiro necessário (descendentes, ascendentes e cônjuge) terá direito ao quinhão de 25% (vinte e cinco por cento) do monte mor, o que perfaz a quantia de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) per capta.
Pois bem, presumindo que o exemplo é verdadeiro, bem como que fora entregue 1 móvel no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) cada para cada filho, as doações serão legítimas e não são passíveis de nulidade, uma vez que respeita o quinhão de cada herdeiro.
Todavia, se um desses imóveis totalizar a quantia de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) e o outro somente R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), verificaremos que um dos herdeiros terá recebido 12,5% (doze por cento e cinco milésimos) a mais em sua cota parte e, por outro lado, um outro terá recebido apenas 50% do que de fato lhe fazia direito. Sendo assim, a doação realizada estaria eivada de vício, sendo passível de nulidade.
Neste caso, ou o herdeiro que recebeu meação a mais devolvesse em pecúnia a quantia de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) ao prejudicado, ou o negócio poderia ser anulado, necessitando, para tanto, distribuir Ação de Inventário para dirimir a questão, trazendo à colação todos os bens deixados pelo de cujos e, por conseguinte, tornado ineficaz o planejamento sucessório havido em vida.
Tal situação pode se agravar ainda mais se verificarmos dívidas que superem o valor de algum dos imóveis, ou questões fiscais referentes a estes (como dívida de IPTU) que leve a penhora e hasta pública do bem doado.
Isso porque todos os herdeiros são corresponsáveis pelas dívidas deixadas pelo de cujos até o limite da herança recebida, como explicado no artigo “Inventário: O que acontece quando uma pessoa morre e deixa dívidas?”.
Sendo assim, e seguindo o exemplo trabalhado, suponhamos que o imóvel de valor menor (R$ 500.000,00) possua dívida ativa em exatos R$ 500.000,00 e, em processo perante à Fazenda Pública seja deferida a penhora e arrematação do bem em hasta pública (leilão).
Ora, a herdeira que já estava prejudicada por receber bem menor do que a meação que lhe cabia, ainda pagará integralmente o valor da dívida contraída perante a União.
Perceba que esta herdeira amarga um prejuízo de R$ 875.000,00 (oitocentos e setenta e cinco reais), enquanto os demais teriam sua herança intocada e, um deles, receberia valores indevidos.
Isso porque como todos os herdeiros são corresponsáveis pela dívida do espólio, cada um dos quatro herdeiros deveria arcar com R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais) da Execução Fiscal, uma vez que tal valor é menor do que o valor recebido (1 milhão), devendo, todos, receber a exata quantia de R$ 875.000,00 (oitocentos e setenta e cinco reais).
Por isso, é de extrema necessidade que, ao realizar o planejamento sucessório de uma pessoa, verifiquemos se há herdeiros legatários (aqueles incluídos por testamento), bem como a meação que cada herdeiro tem direito, e, assim, proceder com a distribuição dos bens pelos mecanismos disponíveis, seja por criação de Holding Familiar, doação em usufruto ou disposição testamentária, tudo para atender e tornar possível a última vontade do cliente, minimizando os custos e a burocracia de um processo judicial.
Todas as informações aqui prestadas encontram respaldo na Legislação vigente e Jurisprudência, a saber:
Art. 426. Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva.
Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança.
Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento.
[Todos do Código Civil]
DIREITO CIVIL - AÇÃO ANULATÓRIA - DOAÇÃO DE ASCENDENTE A DESCENDENTE - ADIANTAMENTO DA LEGÍTIMA - DOAÇÃO QUE EXCEDE O QUE O DONATÁRIO PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO - EXCLUSÃO DE HERDEIROS NECESSÁRIOS - NULIDADE PARCIAL DA DOAÇÃO.
A doação dos pais aos filhos importa em adiantamento da legítima. Nula é a doação de todos os bens, sem reserva de parte, ou renda suficiente para subsistência do doador, e também a doação quanto à parte que exceder aquela de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em Testamento. Excluídos herdeiros necessários, procede a ação para que se declare a nulidade parcial da doação.
[Jurisprudência pacificada dos Tribunais pátrios]